quarta-feira, junho 13, 2012

Reivindicar um concelho de Lafões pressupõe recusar a agregação de freguesias

Rio Vouga: um património comum que tem sofrido com a falta de diálogo entre os três concelhos de Lafões (foto de José Campos)

Como aqui noticiamos, a Associação D. Duarte de Almeida organizou um espaço de reflexão sobre "Intermunicipalidade e agregação de freguesias". Aposta ganha em todas as frentes e um estímulo para iniciativas futuras. Participaram pessoas de todos os concelhos de Lafões, a maioria com responsabilidades no poder local, sobretudo nas freguesias. No final, o representante da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), concluiu (com alguma surpresa, pareceu-nos): "Os senhores são a favor da agregação dos concelhos. Das freguesias é que é uma chatice...". E é mesmo!

Já por aí falamos sobre este tema (ver aqui, aqui e aqui). Já dissemos o que pensamos sobre as vantagens da unificação dos concelhos, mas também... sobre os seus perigos. Só que, hoje, estamos no centro de um furacão que tudo arrasa. Sentimos a ameaça constante de encerramento de serviços, sentimos as consequências do despovoamento e sentimos, sobretudo, que nos bloqueiam todas as "saídas", que nos limitam às "simpatias" de que eventualmente gozemos nos "aparelhos", àquilo que, em bom português, se chamam "cunhas": no tempo em que se discutiam as alterações nos serviços de saúde, José Junqueiro não escondeu que o presidente da Câmara de São Pedro do Sul se tinha "mexido" melhor que o de Vouzela nos caminhos dos favores; na recente ameaça de encerramento dos tribunais, os líderes das autarquias de Oliveira de Frades e de Vouzela preferiram o "salve-se quem puder" e o Dr. Telmo Antunes reafirmou a sua fé de que tudo continuaria no melhor dos mundos, depois de "ir a despacho" com a ministra da Justiça e sua colega de partido.

Nesta situação de fim de linha é cada vez mais consensual que a melhor forma de aumentar o poder reivindicativo da região é através da reativação do histórico concelho de Lafões. No entanto, os argumentos a seu favor vão muito para além disso.

Os concelhos que temos e os que queremos

O desenho atual das unidades administrativas locais é normalmente atribuída à reforma de Mouzinho da Silveira. Ignora-se que, depois dela e durante muitos anos, as fronteiras concelhias não pararam de ser modificadas, ora entrando, ora saindo localidades, de acordo com a relação de forças de cada conjuntura. A região de Lafões não foi exceção.

Também os objetivos do decreto de 1832 andavam muito longe da gestão criteriosa de recursos regionais, antes procurando o reforço do poder central do Estado, através de uma adaptação da legislação napoleónica. Por tudo isso e mais o que se foi fazendo, é frequente encontrarmos mapas concelhios que não lembram ao diabo, dificultando o mais simples ato de gestão, seja em relação a recursos hídricos, seja em relação a transportes, localização de serviços, infraestruturas, etc., etc.

Não é, pois, de admirar que cada vez que se fala em repensar a organização administrativa, muitos esperem pela resolução destes problemas, preocupação que, até agora, nunca esteve no espírito (e muito menos na letra) das propostas concretizadas.

Ora, pela parte que nos toca, este é o primeiro motivo que nos leva a defender o concelho de Lafões. Como dizia o Professor Amorim Girão, trata-se de “um todo homogéneo (...) correspondendo (...) a uma verdadeira região natural”. Importa, pois, dar sentido, coerência à área submetida a uma determinada administração. Há um património comum que cada um tem usado á sua maneira ou pura e simplesmente ignorado (ai, Vouga, Vouga...), mas que todos os estudos referem como o principal recurso regional. Há uma população que circula pelos três concelhos (nalguns casos a residir paredes meias com as fronteiras para o vizinho), que nada está preparado para servir.

No entanto, como disse o Dr. Jaime Gralheiro no debate organizado pela Associação D. Duarte de Almeida, para os critérios atuais não temos dimensão para sermos região, mas temos as medidas certas para sermos um grande concelho. Pois sejamos. Isso pode permitir uma gestão mais reacional dos recursos, mais força reivindicativa e, ainda, inverter a pressão. Só há um problema: as atuais lideranças concelhias não estão interessadas nesta conversa.

O ataque às freguesias ou a ponta do iceberg

Quando o memorando da "troika" exigiu a reorganização e redução das entidades administrativas locais, muitos acreditaram que as alterações começassem pelos concelhos. Em vez disso o governo atirou-se às freguesias, tentando generalizar um processo de agregações já anteriormente iniciado em Lisboa. Sucederam-se argumentos, desde a importância das juntas de freguesia para as populações isoladas do interior, até ao seu reduzido peso no orçamento, passando pela legitimidade histórica destas unidades administrativas (a este propósito vale a pena ler isto). A tudo o governo pareceu indiferente. Na verdade, tal como referiu Carmo Bica, talvez estejamos perante uma manobra mais maquiavélica, em que este ataque às freguesias é a pequena ponta visível dum enorme iceberg.

Se nos recordarmos das alterações defendidas à lei eleitoral para as autarquias locais pelos partidos do "bloco central", facilmente concluímos que propõem um reforço dos poderes dos executivos municipais e um menor controlo da sua ação. É nesse sentido que apontam as pretendidas equipas "monocolores", quando se sabe que as assembleias municipais não têm condições para "imitar" o papel desempenhado pela Assembleia da República. PS e PSD foram tão longe nesta tentativa de reforma que chegaram a desenhar um modelo em que uma maioria absoluta de deputados locais, não era suficiente para derrubar um executivo! Ora, se pensarmos nas freguesias (sobretudo nas mais pequenas, aquelas com que se pretende acabar) como as entidades administrativas em que há maior proximidade entre eleitores e eleitos, somos tentados a imaginar que uma reforma mais ampla pode estar na forja.

Este aspeto tem que ser tido em consideração quando defendemos o concelho de Lafões. A concretizar-se, irá administrar uma população de quase 40 mil cidadãos, espalhados por mais de 687 quilómetros quadrados e com situações de isolamento extremo bem conhecidas. Podemos imaginar outras formas de fazer ouvir a voz dos munícipes, de aumentar a democraticidade do poder local, mas, na situação atual, as freguesias são a única entidade próxima. Por isso mesmo, a sua agregação seria... uma grande "chatice".

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