quarta-feira, setembro 25, 2013

Contra os mitos marchar, marchar!

Tempos houve em que o homem acreditou ser a Terra o centro do universo

Prometemos não interferir na campanha eleitoral e vamos cumprir. No entanto, o "calor do debate" tem dado eco a uma série de ideias feitas, de mitos, que podem provocar estragos caso alimentem a ânsia populista do voto fácil. Parece-nos, pois, necessária, uma chamada de atenção, sem referir concretamente qualquer das candidaturas, sem termos a ilusão de conseguir alterar o que quer que seja, mas deixando registo para... memória futura.

A que ideias feitas nos referimos? Fundamentalmente, a duas: zonas industriais são a solução para aumentar a oferta de emprego e promover o desenvolvimento; criar zonas de expansão na vila de Vouzela é a solução para evitar a saída de jovens. Vamos por partes.

Zonas industriais: a solução?

Limitando-nos à informação disponível na página da Câmara Municipal de Vouzela (procurar em Planeamento/Parque Empresarial) que está muito desatualizada, o que é que concluímos? Na zona industrial do Monte Cavalo, há 13 lotes desocupados em 33 possíveis. A de Campia tem 12 lotes ocupados. Sobre os últimos espaços não há informação disponível, mas lemos no Notícias de Vouzela que a de Vasconha (Queirã), vai oferecer 20 lotes e vai custar um milhão e trezentos mil euros, beneficiando de um financiamento comunitário de um milhão de euros.

Que podemos concluir de tudo isto? Num concelho com 10540 habitantes e que beneficia de excelentes vias de comunicação, esta oferta, com este nível de investimento, devia ter entusiasmado muitos jovens,  atraindo-os ou, pelo menos, impedindo a sua saída. Não entusiasmou! Se olharmos para as áreas de negócio das empresas instaladas, percebemos que se relacionam, maioritariamente, com setores que atravessam crises graves (construção), que estão muito dependentes do mercado local (reparações automóveis) ou que pouca articulação têm com outras áreas económicas da região, nomeadamente as que necessitamos de recuperar. Quer isto dizer que a oferta de emprego é limitada, quer no número, quer nas áreas, quer nas perspetivas de futuro. Claro que as empresas não têm culpa alguma. Mas a verdade é que se está a fazer um investimento significativo de modo desordenado, sem obedecer a qualquer plano estratégico para o concelho. É o preço a pagar pelo dogma de que o poder local não deve interferir no funcionamento da economia (o que, ainda por cima, é falso).

Os jovens saem de Vouzela porque não há casas disponíveis?

Mas, talvez o problema esteja na falta de habitação e centenas ou milhares de jovens não consigam encontrar uma única casa vaga na vila. Assim de memória e num rápido passeio pelas ruas de Vouzela, encontram-se casas à venda ou espaços desocupados e a exigirem intervenção urgente no Largo da Feira, na Avenida João Ramalho, na Sidónio Pais, Ayres de Gouveia (para venda e para alugar), Rua de São Frei Gil, Morais de Carvalho, várias no percurso entre esta rua e o Largo do Convento (onde também há), no bairro da Senra, Praça da República, Mousinho de Albuquerque e na Avenida João de Melo. Arriscamos dizer que não há rua na vila de Vouzela onde não apareça uma oferta para venda ou um espaço desocupado a exigir intervenção. Se quisermos alargar a pesquisa a Fataunços, Vilharigues ou até Ventosa, a oferta que encontramos entre casas, terrenos e quintas, assusta, pelo que revela sobre eventuais dificuldades financeiras dos proprietários e, sobretudo, sobre a vontade de abandonar a terra.

Claro que sempre que avançamos com esta lista, respondem-nos que a maior parte da oferta é constituída por edifícios antigos a necessitarem de obras e "é mais caro restaurar do que construir ou comprar novo". Reconheça-se que este argumento ultrapassa as fronteiras regionais e pode ser ouvido do Minho ao Algarve. Só que precisamos de pensar nos seus fundamentos, já que se limita a ser uma especificidade portuguesa, recusada por essa Europa fora onde sempre foi dada maior atenção ao restauro do que á construção. É que, talvez tenhamos que nos confrontar com mais uma triste consequência do modo como, durante anos, se deu rédea solta à especulação imobiliária, criando perversões no setor da construção. Porque, como já alguém disse, "hoje, em Portugal, é fácil amontoar tijolos. Difícil é encontrar um bom pedreiro". E nós até somos de uma região com tradições no trabalho da pedra... Queremos ou não continuar a sê-lo?

Resumindo e concluindo: se querem contribuir para a resolução dos problemas sentidos pelos vouzelenses, enfrentem os verdadeiros e não se refugiem em "mitos" e desculpas fáceis.

"Nunca devemos admitir senão aquilo que a razão nos mostra como evidentes; em caso algum podemos aceitar o que nos é imposto pela nossa imaginação ou pelos nossos sentidos. (...) Não devmos pensar que o Sol tem, de facto, o tamanho com que o vemos"
- René Descartes, Discursos do Método, 1637


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